Wednesday, April 05, 2006

Esparguete com atum



A certa altura de cada dia, gosto de encostar-me no espaldar duro da cadeira deste café e dizer: ora bem. Gosto que, antes desse momento, tenha acontecido ocupar-me de pequenos assuntos na cidade. Gosto de riscar esses assuntos na agenda e de, para o efeito, utilizar a minha caneta de ponta fina. Chegado ao café, gosto de abrir o jornal e ler apenas o suficiente para de novo erguer a cabeça e dizer: chiça. Depois, usufruir desses instantes em que me sinto irmanado com todas as pessoas deste mundo, iguais a mim no seu modo particular. Enquanto o trânsito se acumula do lado de fora, gosto de imaginar que, neste mesmo momento, as serras portuguesas hão-de estar descarnadas ante o silêncio da lua que aparece. Os grilos, o vento. Nenhuma pessoa para dizer se faz frio. Gosto de voltar ao jornal e perceber que não vou ler mais. É bonito como tudo é nocturno e depois matinal e tudo isso. Nada é assim tão importante. Pela vida fora, serei o leitor do poema perfeito que é a passagem do tempo. Os seus ventos fortes, as suas brisas discretas, os corrupios em torno de um saco de papel. A colisão de dois automóveis, a queda de um fruto, o desespero de um homem, as minhas dúvidas.

Já em casa, gosto de inventar um bom jantar com o que encontro nos armários. Abro a janela da sala e uma aragem traz até mim os odores do dia que começa a arrefecer. Tudo bem. Os grilos grilam, o dia baixa, os carros movem-se ao longe. Tudo cumpre o seu sentido e eu faço um jantar que começa a abrir-me o apetite. Tanto e tão pouco. A vida é sempre tanto e tão pouco, e não podemos tirar as mãos do volante por muito tempo. Que bonito me parece isto hoje. Gosto quando me sobe às costas um formigueiro, alargando-se pelos ombros. Sinto vontade de não sei o quê. Como conduzir esta coisa até uma foz serena, onde adormeça em paz como espero um dia morrer em paz? À segunda garfada, gosto de pensar que, de facto, é preciso muita mestria para viver. Saber decidir, como um velho guru, quando adormecer o acordado e quando acordar o adormecido. Exercício da maior subtileza, ou melhor até: elegância.

Gosto de mudar, de repente, todas as minhas ideias. Não há coisas paradas, há apenas as que se movem muito devagar. Que tipo de animal teríamos que ser para assistirmos ao movimento de uma árvore a crescer? Observados por certos pássaros rapidíssimos, não seremos imóveis como uma montanha? Que seres tão inquietos calhámos de ser, comparados com uma floresta, porventura mais compassivos que os passarinhos - e algum deve baloiçar-se agora mesmo no ramo mais fino de uma árvore frondosa.

Tão-balalão, cabeça de cão. Dorme e acorda, dorme e acorda. Aceitemos as leis do mercado e as oscilações da economia. Procuremos fazê-lo com algum estilo ainda.

João Barreto


3 comments:

Anonymous said...

como é bom "ouvir-te"...

Anonymous said...

Bem esta é para os dois...:
"The Fairy Call
A Spell for summoning the fairies.

Sit where the cats sits.
Cross your toes,
Close your eyes, And smell a rose.
Then say under your breath:
- I belive in fairies, sure as death, Gadflykins! Gladtrypins!
Gutterpuss and cass!
Come to me Fairily
Each lad and lass!"
beijos

Anonymous said...

reparem nas horas!!!